Dando continuidade ao relato de ontem, resolvi falar sobre o meu sentimento em meu primeiro momento em terras russas.
Para vocês entenderem o drama, paramos no Rio, encontramos um casal que já morava lá e partimos juntos para Frankfurt. Tio Jorge e sua esposa na época, tinha uma menininha com menos de um ano, a Alessandra. Eles tornaram nossa viagem um pouco mais alegre e menos dramática. Não existia celular como hoje para irmos passando as informações à família, então Papai fez uma ligação do orelhão no Rio e só uns três dias depois, já em Moscou, que conseguimos passar as informações de nossa chegada sãos e salvos.
Há 20 anos viajar era caro, muito mais caro que hoje em dia, mas recebíamos uma fartura de comidas gostosas. No voo até Frankfurt devo ter engordado de cara uns 10 quilos. Em Frankfurt ficamos parados por umas 4 ou 5 horas esperando o voo para Moscou.
Ai começa o desespero. Jantamos, claro, uma comida estranha, mas gostosa. Devorei sem nem perguntar o que era. Não falávamos nem inglês, nem alemão e muito menos o russo. Toda hora alguém falava algo e como não entendíamos ficamos de boas. Perguntávamos para o Tio Jorge e ele sempre fofo e tranquilo dizia que não estava entendendo. Tempos depois descobrimos a farsa: ele falava inglês e a esposa alemão e russo e eles só não quiseram nos alarmar.
O fato é que algo aconteceu no avião e bem depois de rodar e rodar, descemos de: barriga! Sim amigos, meus primeiros momentos em terras russas foram olhando pela janela: bombeiros, ambulâncias e redes de televisão. Mas para o Tio Jorge, tudo estava bem e eu sou muito grata até hoje pela calma dele naquela noite gelada de terça, 31 de outubro de 1995.
Descemos, fizemos o nosso cadastro de entrada no país. Tudo muito estranho com gente esquisita. Obvio que eu não entendia nada do que eles falavam e sinceramente, eu estava tão cansada que nem português eu queria falar.
Quando a porta abriu eu travei. Um vento muito gelado bateu em meu rosto e eu me dei conta de que não tinha volta. Mas eu comecei a dar um chilique tão bizarro que Mamãe em sua sábia orientação me disse: "anda logo se não você vai levar sua primeira surra já aqui no aeroporto". Peguei meu cachecol e cobri meu rosto inteiro. Nossos casacos não aguentaram nem o percurso até o carro. Detalhe: fazia 0º. E seguimos pelo caminho para o nosso primeiro futuro apartamento e eu olhava pela janela atordoada pelo que viria e pelo que eu queria viver. E lembrava do meu professor dizendo que morreríamos congelados, mas confiava em Papai que me garantiu que conseguiríamos. E pensava: bem, Papai falou que vai dar tudo certo, que muita gente morava no frio e sobrevivia sim. Ah e ele me contou que havia verão ali em algum momento do ano. Me acalmei na hora. Pensei no sol e no dia, e no céu azul e confiei em Deus e deu tudo certo. E vi um Mcdonald´s, ou seja, havia vida normal ali. Tudo certo.
Chegamos ao apartamento antes da meia noite. Uma amiga do Papai já tinha colocado camas e deixado alguns mantimentos para nosso primeiro dia, que lógico foi só dormindo.
Acordamos no dia 01/11/95 e não nevava ainda. Não saímos de casa. Isso aconteceu somente no dia 02/11/95 porque era feriado na Embaixada e nosso amigo Tio Jorge saiu com a gente para comprarmos casacos e botas e todos os outros itens indispensáveis para a sobrevivência no frio. E aí nevou. Uma neve leve, mas que eu via pela primeira vez na vida. Chorei de alegria, de medo e acima de tudo de gratidão. Porque vamos pensar: eu que não tinha nem expectativa de nascer, de repente me encontrava em um país a mais de 12 mil km de distância e vendo a neve ali caindo sobre meu corpo que na época tinha menos um pouco que 1,55. Era emoção de mais para quem só tinha 11 anos.
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