segunda-feira, 27 de maio de 2019

20 anos sem Moscou.

26 de maio de 1999, quarta-feira, 17h45 - O voo. O fim. A despedida. O até mais. 
Foi um dia diferente. Malas prontas, uma passada na escola pela manhã, para me despedir dos meus amigos, um chora aqui, outro acolá.
Almoçamos. Pela última vez no apartamento para onde havíamos nos mudados em março de 1996. 
Quando me disseram que iria morar na Rússia, que eu nem sabia que era um país, eu chorava. Eu tinha tanto medo. Afinal, meu professor de Estudos Sociais me disse que lá era tão frio que a gente morreria e que eu nunca mais veriamos o sol.
E eu não morri. Ok, era frio, muito frio inclusive, mas eu também vivi meses de muito sol, verões gostosos, onde eu patinava e esperava o anoitecer às 21h30. 
Foram anos de neve, 4 invernos pesados, de aconchego à distância da família, de angústia quando a gente tinha que esperar para conversar com meus irmãos. E quando era dia de mala diplomática que vinham as cartinhas, presentinhos, revistas, fitas cassetes da Banda Eva e Cds do É o Tchan, era uma alegria contagiante. 
Lá mamãe teve a oportunidade de ir à cidade do Papa João Paulo II e vê-lo um tanto quanto longe, mas receber toda a energia que ele emanava por onde passava.  Comemorei 4 aniversários lá, ganhei uma festinha linda nos meus 13 anos, com minha irmã mandando as coisas da decoração pela mala diplomática. Muitas pseudo feijoadas com um feijão nada a ver com o nosso e com farinha de batata, sem couve e com laranja brasileira.
Lá eu fiquei mocinha, dei meu primeiro beijo, me apaixonei pelo Anton e pelo Andrei. Infelizmente lá fumei meu primeiro cigarro e tomei meu primeiro copo de vodka que me deu uma ressaca de 3 dias. 
Em Moscou dei continuidade à ginastica olímpica, mas acabei me apaixonando pelo salto à distância e mesmo com 62 quilos eu era uma atleta empenhada, afinal meu professor na época tinha apenas 82 anos e era vigor puro e me dizia que não era para eu aceitar ser gorda, que eu deveria me cuidar. Deveria mesmo é ter escutado um pouco mais os conselhos dele. Um homem incrível, como várias pessoas que viveram o Comunismo e nos ensinavam tanto.  
Conheci tanta gente massa. O tradutor oficial do Marcos Pontes, nosso astronauta, o Roberto Kuznetsov, foi um deles, e talvez a melhor coisa que me aconteceu na vida. Anos depois, graças ao material usado por ele para aprender russo sozinho, eu me tornei professora particular e graças a ele, ainda lembro um tiquim deste idioma tão complexo. 
Essa semana tatuei a Igreja de São Basílio no ombro direito. No esquerdo já tenho tatuado desde 2013, o Teatro Bolshoi. No coração eu tenho tatuada uma cidade incrível, linda, com uma arquitetura única, com uma história única, com pessoas que fizeram a diferença na minha vida de uma forma que eu só agradeço. 
Moscou foi treva também, mas 20 anos depois, eu só penso em tudo que foi de bom, o tanto que eu em me tornei responsável, pontual, educada, consciente da minha história. 
Eu não fui morar lá à toa. A pessoa que eu sou hoje, deve 95% à tudo que eu vivi com meus pais lá. Seriam necessárias muitas linhas para descrever, e sabe? Acho que um dia ainda farei isso.
Agradeço aos meus pais pela oportunidade. Agradeço a cada amigo que segurou nossa mão em momentos cruciais e de lágrimas. Agradeço aos meus amigos russos, da escola, da igreja, Padre Miguel Angel, Padre João Carlos,  o orfanato onde passei muitos verões ajudando crianças de Chernobyl. Agradeço ao Tio Zelon, Tio Jorge, Tia Ivonete, Janaina, Tia Silvia, Ingrid, caramba, tanta gente que se importou com meus pais, que nos acolheu em suas casas, nos emprestou o telefone, o carro, o tempo. 
O tempo que não volta mais, mas que hoje me impulsiona. Me dá a chance de comemorar essa conquista. Estar viva para contar minha história, que não é de longe especial, mas para mim, sempre será. 
E à você que me escuta também né? As vezes não consigo virar o disco, me perdoem. 

Beijos!